“Louvo a
amizade do amigo
Que comigo há
de morrer
Louvo a vida
merecida
De quem morre
pra viver
Louvo a luta
repetida
Da vida pra não
morrer”.
(Gilberto Gil, em “Louvação”)
De todas as
providências legais visando a amenizar os efeitos do Coronavírus, nos estados e
municípios brasileiros, a interdição temporária de templos religiosos talvez seja
a que provoca maiores resistências.
Povo de
fortes tradições religiosas, o brasileiro tem arraigada intimidade com os
cultos e com as obrigações impostas por suas crenças.
No catolicismo, a obrigatoriedade do
comparecimento às missas dominicais, o culto festivo aos santos, as procissões
em louvor deles, as peregrinações em pagamento de promessas, os sacrifícios por
“graças alcançadas”, compõem hábitos
intrinsecamente ligados aos costumes e à fé popular. Abster-se deles, para
muitos, gera mal-estar que beira o pecado e pode atrair castigos.
Nas religiões
evangélicas, hoje tão influentes no comportamento social e indutoras de posturas
políticas e ideológicas perigosamente próximas do fundamentalismo, o
comparecimento aos templos e seus cultos é recomendado como condição essencial
para que o chamado “Povo de Deus” se credencie ao recebimento de “milagres”, só operáveis em
favor dos que creem e pagam o dízimo. A esses “milagres”, é atribuída
capacidade de resolver, como num passe de mágica, todas as angústias
existenciais dos crentes, seus problemas familiares, financeiros e amorosos.
Irresponsavelmente, alguns pastores desses cultos chegam a afirmar que a
presença divina, ali, funciona como antídoto a qualquer contaminação.
Exemplo dessa
resistência ocorreu no Rio de Janeiro, cidade cujo atual prefeito é um bispo de
igreja neopentecostal. Decreto por ele promulgado justamente quando o estado
fluminense atingia a casa das 5.000 mortes provocadas pela Covid 19, em meio a
cerca de 50 casos diagnosticados da doença, retirava os cultos em templos
religiosos do rol daquelas atividades que haviam sido vedadas, em favor da não
propagação virótica. Afortunadamente, ação promovida pelo Ministério Público e
acolhida pelo Poder Judiciário anulou rapidamente o inoportuno comando legal.
Felizmente, nem
todos os segmentos religiosos se posicionaram contra as interdições de seus
templos. A Igreja Católica deu bom exemplo, aderindo oficialmente à campanha de
isolamento. O próprio Sumo Pontífice recomendou obediência à medida e, sozinho,
oficiou orações em favor das vítimas da pandemia, em tocante ato realizado em
sua Basílica.
A melhor lição a
ser apreendida pelos bons religiosos de todas as crenças, ao se verem impedidos
de comparecer a cultos exteriores, para evitar a multiplicação da doença, é a
de que atos ritualísticos, em qualquer circunstância, e mesmo nos tempos tidos
como “normais”, podem, vantajosamente, ser substituídos pela conexão
íntima, liberta de formalismos, com a Espiritualidade Superior. Louvar a Deus
é, fundamentalmente, viver de acordo com suas leis, ditadas pela natureza e
presentes no mais íntimo da consciência de cada um. É valorizar a vida como
instrumento de convivência harmônica com o semelhante e de progresso.
O culto externo,
que, certamente, não está fazendo falta aos religiosos dotados de uma
espiritualidade natural e espontânea, bem que pode ser suprido, com efetivo
ganho valorativo, por atos concretos de amor ao semelhante, pela expressão de
gratidão ante o esforço alheio em nosso favor e em favor da sociedade.
A prática do bem, o
exercício do amor, do serviço e da gratidão, conferem à vida um sentido pleno,
no qual não há espaço para a ideia da morte, tal como vista pelo niilismo
materialista. O mesmo fenômeno da morte, quando visualizado como mero episódio
biológico e de mudança de estágio da verdadeira vida, certamente será melhor
suportável e administrável pelo espírito, se este tiver se apercebido de que o
exercício da espiritualidade interior torna dispensável o culto exterior.
* Milton
Medran Moreira é advogado, jornalista e Assessor de Relações Internacionais da
CEPA – Associação Espírita Internacional.
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